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Você sabe o que é Hegemonia Cultural?



O processo de hegemonização cultural, a qual todos fomos submetidos, foi definido pela Enciclopédia Columbia como o “domínio de uma sociedade culturalmente diversa pela classe dominante, que manipula a cultura dessa sociedade - ou seja, as crenças, as explicações, as percepções, os valores e os costumes - de modo que a visão de mundo imposta por esta classe se torne uma norma cultural, a ideologia dominante e universalmente válida, que justifica o status social político e econômica como natural e inevitável, perpétuo e benéfico a todos e não como uma construção social artificial que beneficia apenas a classe dominante.”


A forma como os costumes e comportamentos são definidos como a NORMA PADRÃO nunca é por acaso... Estes são sempre definidos de forma a dar suporte à dominação de um grupo sobre outro. Em outras palavras, o grupo dominante define o que seria o correto - a norma cultural - de acordo com o que vai beneficiá-lo. Um belo exemplo desse mecanismo em ação é a forma pela qual representamos a figura de Jesus Cristo: um homem branco, loiro, alto e de olhos azuis. É óbvio que Jesus nunca poderia ter tido esta aparência nascendo no Oriente Médio.


Aliás, diversos empreendimentos científicos buscaram reconstruir como seria aproximadamente o rosto de Jesus. Um deles utilizou como base três crânios do século 1, lançando mão de softwares de modelagem 3D para determinar qual seria o formato do nariz, dos olhos, da boca… enfim, do rosto de um adulto típico da época e o resultado foi que Jesus deve ter tido uma aparência mais ou menos como a seguinte:





Mas os Europeus o retrataram conforme sua imagem e semelhança... O próprio fato de Deus ser representado como homem já faz parte de um processo de hegemonização cultural, pois coloca o homem acima da mulher. Aliás, pai, filho e espírito santo, estão todos no masculino; Eva veio da costela de Adão e assim por diante... Já as religiões da Grécia antiga, por exemplo, eram politeístas e continham diversas Deusas em seu panteão. O mesmo ocorre com o Hinduísmo. Nota-se que as religiões politeístas tendem a aceitar melhor a diversidade cultural, já as monoteístas tendem a querer impor uma verdade única sobre todos os povos.


Por exemplo, o jornal semanal editado pela Arquidiocese de São Paulo, trouxe a seguinte manchete: “Igreja alerta sobre lei da família”, com matéria de página inteira a respeito da votação pelo Congresso Nacional do Estatuto da Família, criticado pela Igreja católica nos seguintes termos:


“Além da descaracterização da família como tal, o projeto propõe a completa equiparação entre a família fundada no matrimônio, a união estável, a união homoafetiva e a união parental e mono-parental. Não se fala mais de família e sim de “entidades familiares”; e atribui a todas as entidades familiares a mesma dignidade e igual merecimento de tutela, sem hierarquia entre elas. Além disso, são previstos tempos acelerados para a realização do divórcio, que pode ser conseguido inclusive de modo extrajudicial.”


Ou seja, a Igreja estava criticando a noção de “entidades familiares”, pois a lei estaria atribuindo a todas elas a “mesma dignidade”. Para a Igreja, somente um modelo de família pode existir e todos os outros (união estável, união homoafetiva, união parental, monoparental, polifidelidade, etc...) devem ser considerados hierarquicamente inferiores e não dignos. Isso é hegemonia cultural, colocar uma forma como superior a todas as outras a fim de auferir algum benefício particular - neste caso, a garantia da propagação dos valores cristãos para as futuras gerações.


A Igreja sempre precisou estimular a valorização família tradicional pois ela serve como um local privilegiado para transmissão e reprodução dos valores cristãos, como explica a pesquisadora Valéria Melki Busin:


“A família é, para diversas tradições religiosas, um lócus privilegiado de transmissão e/ou socialização de valores e princípios religiosos. Como as religiões não dispõem de mecanismos coercitivos, elas instituem uma aliança com a família – fazendo a apologia desta –, que inculca em seus membros, especialmente nos das gerações sucessoras, os valores morais defendidos pelas religiões. (...) Por isso, a principal estratégia utilizada pelo Catolicismo para impor seus valores morais para a sociedade pressupõe um forte investimento na família de origem e na manutenção do modelo nuclear de família.”



Por isso, tudo que atenta contra essa estrutura familiar é tido como errado, indesejável e pecaminoso, como por exemplo a homossexualidade, o adultério, o divórcio, etc. Recentemente ocorreu outro exemplo que ilustra essa tentativa, por parte de alguns grupos que estão no poder, de imposição autoritária de um único modelo cultural sobre as pessoas. No dia 12 de julho de 2021 diversas mídias repercutiram a decisão da Funarte de reprovar o pedido de apoio do Festival de Jazz do Capão, negando o financiamento ao festival realizado na região da Chapada da Diamantina sob o argumento de que “a música deveria servir à Deus” e isso não ocorreria no evento. Vemos então que as pessoas que estão no poder querem determinar até a música que merece ou não ser ouvida, de acordo com os critérios deles. Isso considerando que nosso Estado é laico!


A questão central é que por conta desses processos autoritários de hegemonização cultural, sempre existe alguém tentando nos impor a forma como deveríamos ser e nos comportar. Nunca somos encorajados a descobrir e seguir a nossa própria verdade. Muito pelo contrário, somos educados e treinados para seguir o que nos dizem que é certo e errado sem questionar – quase como um adestramento. Desta forma, não temos a oportunidade de construir a nossa própria subjetividade, o nosso próprio jeito de ser no mundo. Somos, na verdade, formatados para obedecermos acriticamente ao que nos dizem que é certo ou errado e se sairmos um pouquinho da linha que nos é imposta, somos severamente julgados e nos sentimos culpados e inadequados.


Além de sermos acusados pelo nosso “juiz interior”, existe toda uma patrulha dos costumes do lado de fora pronta para nos recriminar, repreender e difamar... assim corremos um sério risco de isolamento caso não voltemos para linha. Em ambos os casos, seja a acusação vindo de dentro ou de fora, o resultado é sempre o mesmo: ficamos com medo e inseguros e preferimos obedecer!


Existe um grande rolo compressor cultural que não permite que as pessoas descubram sua própria verdade. Nós mesmos nos controlamos mutuamente para ter certeza de que ninguém sairá da linha! E uma pessoa com medo e insegura irá facilmente seguir os outros como uma ovelhinha, afinal, somos muito carentes para correr o risco de perder a aprovação das pessoas significativas em nossas vidas. Quem vai querer arriscar seguir no contrafluxo?

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