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Abrindo a relação com o cuidado que ela merece

Atualizado: 13 de jul. de 2021

Como abrir a relação de forma cuidadosa e sem gerar traumas para os envolvidos?


Quando se fala em abrir a relação, costumamos pensar logo no aspecto concreto de se relacionar sexualmente com alguém de fora. Em geral justificamos esta opção alegando que a liberdade é um valor muito importante.


Embora esta seja uma ideia que faz muito sentido, na prática ela é muito mais difícil de realizar e o motivo é bem simples: fomos programados desde muito cedo a somente sentirmos segurança na apropriação afetiva e sexual da outra pessoa. De certa forma nós estendemos a noção capitalista de propriedade privada para o âmbito afetivo-sexual. Assim como meu carro é só meu e ninguém mais pode dirigi-lo, a minha mulher é só minha e ninguém mais pode transar com ela. O afeto do meu marido é propriedade minha e somente eu posso usufruir disso.


A exclusividade afetivo-sexual, ou o que Wilhelm Reich chamava de “monogamia compulsória e vitalícia” sempre foi uma cláusula pétrea das relações de namoro ou casamento. Immanuel Kant, em seu livro Metafísica dos Costumes de 1797, já definia o casamento como a “união de duas pessoas de sexos diferentes para a posse mútua e vitalícia de suas qualidades sexuais”.


Então a ideia de abrir a relação e de dar liberdade para o outro pode até fazer muito sentido do ponto de vista racional mas do ponto de vista emocional, nossa experiência pode ser muito distante disso. Devemos lembrar que o ser humano não tem apenas ideias e conceitos, ele também experimenta muitas emoções e sentimentos que muitas vezes podem ser experimentados de forma bastante contraditória em relação aos nossos pensamentos.


Em outras palavras, podemos concordar com a ideia de liberar o outro mas ainda assim, do ponto de vista emocional, nos sentirmos muito magoados com isso ou sentirmos muito ciúme ou no sentirmos até mesmo traídos! Importa muito, então, não consideramos apenas as reflexões libertárias, mas também o modo como nos sentimos em relação a isso. As ideias não podem se sobrepor às emoções, ambas dimensões precisam ser equacionadas e contempladas e às vezes a dimensão emocional leva mais tempo que a racional.


Roberto Freire, médico, psiquiatra, jornalista e escritor brasileiro, descreveu muito bem essa contradição entre ideias e emoções:


“... Assim, poucas são as pessoas que não desejariam propiciar essa liberdade aos próprios sentimentos e à pessoa que ama; porém (...) parece ser muito difícil e arriscado para os jovens conciliar seus impulsos e desejos libertários com a realidade dos resíduos da formação burguesa em si mesmos e nos parceiros. Esses resíduos, estimulados pelo ambiente social, opõem-se radicalmente aos impulsos e desejos libertários, parecendo aos jovens que isso é natural, quando, na verdade, não passam de deformações de caráter incutidas pela educação autoritária e capitalista que receberam e que estimula neles o desejo de poder e lhes segurança na apropriação, na dominação, tanto no plano material quanto no afetivo.”


Se por algum motivo um casal optar por este caminho de renunciar à tradição capitalista de tomar posse da sexualidade e do afeto da outra pessoa e seguir pelo caminho do relacionamento aberto, é absolutamente crucial que esse processo seja feito de forma responsável e muito cuidadosa. A simples ideia de ver nosso parceiro com outra pessoa pode disparar emoções muito perturbadoras de medo e traição ou pode ativar feridas antigas relacionadas ao abandono e rejeição.


Todos nós trazemos uma criança interior que passou por muitos choques de abandono, rejeição, humilhação, traição... e todas essas feridas podem vir à tona neste processo de abertura da relação. Às vezes o simples fato de começar a discutir o assunto pode ser um poderoso gatilho emocional pra muitas pessoas, trazendo muito sofrimento.


Por isso, todo o processo deve ser feito com muita calma, ponderação, conversa, cuidado e respeito pelas emoções e sentimentos do outro. Nosso relacionamento é muitas vezes o que temos de mais precioso na vida e merece todo cuidado do mundo. Mesmo que o processo de abertura leve mais tempo, às vezes meses ou até anos, ainda assim é importante optarmos pelo caminho do cuidado, porque amar é isso, é cuidar, é se importar com o outro, é considerar suas necessidades e seus sentimentos.


Lembrando sempre que quando optamos por abrir mão da exclusividade afetivo-sexual estamos fazendo isso para melhorar a relação e não o contrário! Fazemos para aumentar as possibilidades de prazer, de gozo, de alegria. É para somar e não pra subtrair!

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