Amar ou ser livre: eis a questão

Uma das coisas mais comuns que ouvimos quando contamos para os outros que somos adeptos da não-monogamia é o seguinte: “Ah, se você quer diversidade, vai ser solteiro então!”. Vemos que em nossa sociedade existe essa crença muito arraigada de que nós sempre temos que escolher entre um ou outro: sermos solteiros e continuarmos livres OU nos casarmos e ficarmos presos. É como se tivéssemos que optar entre ter um amor OU ser livres, numa visão bem maniqueísta da realidade: ou isto ou aquilo.
Se optarmos por sermos solteiros podemos ficar com várias pessoas, mas se optarmos por um relacionamento só poderemos ficar com uma pessoa e fim de papo! Ora, as pessoas não mudam só porque iniciaram um relacionamento. Se elas gostavam de ser livres para conhecer outras pessoas enquanto estavam solteiras, não é só porque elas entram em um relacionamento que vão deixar de curtir essa liberdade. Afinal de contas, elas continuam sendo as mesmas pessoas e tendo as mesmas necessidades!
A grande verdade é que nós sempre vamos ter essas duas necessidades: amar E ser livres. Temos necessidade de nos sentirmos vinculados, de sentirmos segurança, previsibilidade e estabilidade – todas essas coisas que um relacionamento oferece - mas também temos necessidade de aventura, novidade, adrenalina, frio na barriga, etc. Como bem explica a psicoterapeuta de casal Esther Perel:
“De um lado, nossa necessidade de segurança, previsibilidade, proteção, dependência, confiança e permanência, todas essas experiências fundamentais das nossas vidas que chamamos de lar. Porém, temos também uma necessidade igualmente forte, homens e mulheres, por aventura, novidade, mistério, risco, perigo, o desconhecido, o inesperado e a surpresa.”
O casamento tal como conhecemos costuma atender à primeira dessas duas necessidades apenas, trazendo muita segurança e previsibilidade, mas a verdade é que o anseio pela novidade não deixa de existir só porque entramos em um relacionamento! Por isso, faz todo sentido que queiramos ter as duas coisas ao mesmo tempo, como ocorre na não-monogamia: amar E ser livre. Nada poderia ser mais natural que isso...
O amor é um fenômeno que prospera na liberdade, na espontaneidade. O casamento monogâmico é uma tentativa de institucionalizar este amor, de torná-lo certo e garantido, mas isso acaba é sufocando e extinguindo o amor. Porque ou o amor é livre ou não é amor. Nesse sentido, amor livre é um belo pleonasmo. Se não há liberdade, não existe verdadeiramente amor. Possessividade não é amor. Amor é quando eu digo para você assim: “sua sexualidade pertence apenas a você, faça o que quiser com ela.” O amor liberta... Se o amor te aprisiona de alguma forma, não pode ser verdadeiramente amor.
Assim como o fogo precisa do ar, o amor também precisa da liberdade pra fluir, tem que ser um fenômeno espontâneo, tem que poder circular livremente pois ele ganha força na medida que pode pulsar livremente, sem as fronteiras rígidas e artificiais que a cultura monogâmica criou. Acreditamos que essas fronteiras vão nos proteger da perda ou da reedição da perda primária experimentada lá atrás na infância. Por isso, o medo da perda leva ao reflexo defensivo de exclusão dos outros, que passam a ser vistos como fontes de ameaça. Isso é o ciúme, a disputa pelas pessoas, a demarcação de um território. Por isso usamos o termo “pular a cerca” para designar a traição...
Porém, como explica Brigitte Vasallo em seu ensaio “Abrir amores, fechar fronteiras?”:
"O medo da perda não se resolve fechando-se fronteiras para evitar a chegada da alteridade que nos ameaça, porque as fronteiras são apenas portas corta-fogo que nunca ficam de pé por muito tempo. O medo da perda se resolve apagando o fogo. Desativando a ameaça. Desativando a ideia da alteridade como ameaça. Afinal de contas, estamos falando de amor, ou estamos falando de Estados?"